O desconforto que move times de alto desempenho
A confusão entre segurança e conforto
Existe uma ilusão silenciosa que contamina grande parte das lideranças modernas. Ela se esconde sob o pretexto de “cultura humanizada” e se alimenta da nossa necessidade biológica de aceitação.
Estou falando da crença de que um time de alto desempenho é, necessariamente, um ambiente de paz constante, sorrisos perpétuos e concordância irrestrita.
Líderes competentes sabem: conforto é sinônimo de estagnação.
Se você entra em uma sala de reunião e todos prontamente concordam com a primeira ideia apresentada, você não tem um time pensante. Você tem um problema.
O consenso imediato é, na maioria das vezes, um sintoma de desinteresse, medo ou preguiça mesmo. Para que um negócio evolua, ele precisa de atrito. Precisa do que chamo de tensão estrutural.
O crescimento, em qualquer sistema biológico ou corporativo, ocorre na zona de desconforto.
Músculos só hipertrofiam quando as fibras são microlesionadas. O intelecto só expande quando confrontado com problemas que a lógica atual não consegue resolver.
Por que, então, insistimos em proteger nossos times da única coisa capaz de fazê-los evoluir?
A armadilha do gestor protetor
Há um equívoco semântico grave no mercado. Confundimos segurança com conforto.
Segurança é a garantia de que ninguém será punido, humilhado ou excluído por discordar, errar ou propor algo absurdo. É a rede que te salva depois do erro. Conforto, por outro lado, é a ausência de desafio. É a permissão para permanecer na superfície e continuar sendo raso.
Muitos gestores, na tentativa de serem “bons chefes” e se verem como bons líderes, eliminam o atrito.
Eles aceitam entregas medianas para não ferir o ego do colaborador. Eles evitam perguntas difíceis para não gerar um clima pesado na reunião de segunda-feira.
Ao fazer isso, eles cometem um ato de negligência. Privar alguém do desconforto de crescer é uma forma de desrespeito pelo potencial daquela pessoa.
O líder que busca ser amado a qualquer custo acaba liderando um time medíocre, que inevitavelmente será engolido por um mercado que não tem a mesma consideração pelos seus sentimentos.
Ser exigente é um ato de gentileza
Imagine um time de engenharia projetando uma ponte.
Se um engenheiro aponta uma falha estrutural no cálculo do colega, isso gera um desconforto imediato. O ego é arranhado. A reunião se estende. O clima fica tenso.
No entanto, é exatamente esse desconforto que impede a ponte de cair.
Nas empresas de serviços, tecnologia ou estratégia, a “ponte” assume papéis subjetivos, o que torna mais fácil ignorar as rachaduras.
É por isso que o líder precisa ser o maestro do caos.
A sua função não é apaziguar, mas instigar. É colocar o dedo na ferida da ideia que parece boa, mas não é ótima. É perguntar “e se isso der errado?” quando todos estão embriagados de otimismo.
Gerar esse tipo de tensão exige técnica. Não se trata de ser rude, mas de ser implacável com a qualidade.
A premissa deve ser:
Nós atacamos os problemas para que possamos ser gentis com as pessoas.
Quando essa distinção não existe, o desconforto vira algo tóxico. Quando ela existe e é bem comunicada, o desconforto vira combustível.
É o que chamo de desconforto produtivo.
O paradoxo da confiança
Times que atravessam o fogo juntos criam laços que um happy hour nunca conseguirá replicar.
A confiança não nasce na calmaria. Ela nasce na trincheira. Ela surge quando você sabe que o seu colega vai criticar seu trabalho não porque ele quer te derrubar, mas porque ele se recusa a deixar você entregar algo abaixo do seu potencial.
Isso exige inteligência emocional. Exige que as pessoas deixem de enxergar o feedback duro como um ataque pessoal e passem a vê-lo como alguém que se importa com a sua evolução e acredita em você.
Para o líder, o desafio é sustentar a tensão. É muito tentador intervir e “salvar” o time quando a discussão esquenta ou quando eles estão travados em um problema complexo.
A resposta rápida do chefe alivia a ansiedade imediata, mas atrofia a capacidade de resolução do grupo.
O líder eficaz precisa ter estômago para ver o time lutar, sabendo que é na luta que a competência é forjada. Ele segura a ansiedade dele para instigar a excelência.
Sintomas de que seu time está “confortável demais”
Como diagnosticar se você caiu na armadilha do conforto? Observe os sinais:
Reuniões curtas e sem debate: se as pautas são aprovadas em poucos minutos e ninguém faz perguntas que obrigam o time a pensar, temos conforto disfarçado de eficiência;
Feedback sanduíche: se toda crítica precisa vir embalada em dois elogios irrelevantes para ser aceita, algo não está como deveria;
A culpa é sempre externa: quando algo dá errado, o foco é no mercado, no cliente ou no fornecedor, nunca em quem errou. O conforto odeia a autocrítica;
Ausência de inovação real: quem está confortável repete fórmulas. A inovação exige a coragem de propor o que pode dar errado e isso, por natureza, é desconfortável.
A arquitetura do desconforto produtivo
Implementar essa mentalidade não é ligar uma chave. É um processo de reeducação cultural.
Começa com o líder se tornando vulnerável.
Você precisa ser o primeiro a admitir que não sabe, o primeiro a pedir que critiquem sua ideia publicamente. Isso autoriza o resto do grupo a baixar a guarda.
Em seguida, normalize a discordância. Crie rituais onde o objetivo é destruir a ideia proposta.
Em reuniões de estratégia, designe alguém para ser o “advogado do diabo” oficial. Quando a função de criticar é um papel atribuído, removemos o peso pessoal do conflito. A pessoa não está sendo chata; ela está cumprindo sua função.
Eleve o padrão de exigência de forma gradual, mas constante. Devolva trabalhos que estão “bons” com a pergunta:
“Isso é o melhor que podemos fazer ou é apenas o que deu tempo de fazer?”.
Essa simples provocação, quando feita num ambiente de segurança, sinaliza que a mediocridade não é uma moeda aceita.
A recompensa da inquietação
Existe uma beleza inerente aos ambientes de alto desempenho.
Não é a fofura de um parque de diversões, mas a solidez de algo incrível sendo construído. As pessoas estão cansadas, sim, mas é um cansaço da boa luta, de realização, não de frustração.
Elas sabem que ali, naquele ambiente, elas são obrigadas a serem a melhor versão de si mesmas. E, curiosamente, os melhores talentos não buscam conforto. Eles buscam desafio. Eles correm de empresas onde ser mediano é suficiente.
Se você quer reter pessoas incríveis, pare de tentar fazer com que elas se sintam confortáveis o tempo todo. Dê a elas problemas dignos de sua inteligência. Dê a elas feedbacks desconfortáveis, mas que produzem resultado.
O papel do líder não é ser o conciliador universal: é ser o guardião do padrão de qualidade.
Manter o padrão alto, inevitavelmente, vai gerar desconforto. A questão não é como eliminar esse sentimento, mas como canalizá-lo para que ele gere movimento, não paralisia.
A paz, no contexto corporativo, é muitas vezes o prenúncio da irrelevância.
Escolha o atrito que impulsiona.
Aceite que a evolução dói, mas a estagnação mata.
Até a próxima!
Felipe Gondin


