O paradoxo da página em branco
Escopo flexível ajuda ou dificulta a sua percepção de valor?
Se existe um desafio praticamente universal para consultorias estratégicas, ele é este: como gerar valor quando o produto é complexo, high-ticket e com escopo flexível?
Quanto maior a sofisticação do serviço, maior a dificuldade de tangibilizar o que está sendo entregue. O cliente olha para a proposta e muitas vezes sente um misto de fascínio e insegurança. Fascínio pelo potencial. Insegurança pela falta de contorno.
É o que eu chamo de paradoxo da página em branco.
Para a consultoria, essa página em branco representa liberdade. Ela pode ser preenchida com múltiplas soluções, cocriadas em tempo real com o cliente, ajustadas a cada etapa do projeto.
No entanto, para o cliente, a mesma página em branco pode soar como ausência de método. E ninguém investe valores altos em algo que parece indefinido.
Aqui está a tensão: a flexibilidade que é diferencial para quem entrega pode se tornar ameaça para quem compra. Como o processo de tomada de decisão é emocional, pode gerar um sentimento que conhecemos bem: “isso parece ótimo, mas não tenho certeza…”.
Não consegue explicar porque, no nosso cérebro, o campo da emoção não é o mesmo da verbalização. Essas duas áreas não conversam, mas podem se unir e atuar contra nós quando precisamos gerar segurança.
Exemplos práticos
um escritório de arquitetura de alto padrão que apresenta um projeto sem planta inicial clara: o cliente fica inseguro com o investimento, mesmo que a personalização seja total.
uma consultoria de tecnologia que promete “qualquer integração possível” sem mostrar cases de sucesso: em vez de abrir possibilidades, abre dúvidas.
uma boutique de estratégia que chega com slides em branco esperando que o cliente dite o rumo: o discurso de “cocriação” soa vazio, pois não há método que dê segurança.
Como resolver o paradoxo
A resposta não é fechar o escopo de forma rígida, nem deixar o cliente à deriva. É construir um roteiro com possibilidades tangíveis, tais como:
mostre método: apresente as etapas que norteiam a jornada, mesmo que os outputs finais sejam flexíveis. O cliente precisa sentir que existe estrada, não apenas destino;
ofereça escolhas concretas: em vez de falar “flexibilidade total”, mostre “módulos de escolha”, como em um menu degustação. O cliente percebe possibilidades, mas dentro de limites claros;
compartilhe casos reais: exemplos anteriores funcionam como “provas de realidade”. Eles reduzem a ansiedade de quem investe, ao mostrar que a página em branco já foi preenchida com sucesso antes;
equilibre cocriação e autoria: o cliente não quer ditar sozinho o projeto, mas quer sentir que suas dores e visões são incorporadas. Cabe à você liderar o processo de dar forma às aspirações.
O ponto-chave
No fim, a página em branco é uma metáfora poderosa porque revela o paradoxo central da consultoria: o que gera insegurança é também o que abre espaço para criar algo único.
As consultorias que vencem esse jogo não vendem apenas flexibilidade. Vendem confiança. Não oferecem apenas espaço em aberto, mas a certeza de que sabem guiar o processo de preenchê-lo.
A verdadeira proposta de valor está em transformar a página em branco em uma obra única, construída a quatro mãos, mas com autoria clara de quem conduz.
Vender complexidade exige simplicidade na explicação. O cliente compra a promessa de algo especial, mas só faz o pix quando acredita que o caminho até lá é seguro.
Faça sentido antes de fazer barulho.
Nos vemos em breve!
Felipe Gondin