Por dentro das comunidades que mais engajam
Onboarding, rituais e valor percebido: a engenharia por trás do engajamento consistente
Há um deslocamento em curso na forma como marcas constroem valor.
O foco está migrando da visibilidade para a permanência. De campanhas para relações. De marketing transacional para ecossistemas de confiança.
É exatamente aí que entra a construção de comunidades. Não como tendência, mas como ativo estratégico de marca.
O que pouca gente tem consciência (ou implementa com maturidade) é que comunidade não é algo que se faz “depois do branding”. Ela é a continuação dele. O prolongamento da promessa da marca em forma de experiência coletiva.
Sem um posicionamento forte, claro e alinhado, não há comunidade que sustente tração de longo prazo. O que se constrói, nesses casos, é um grupo de interesse temporário, facilmente substituível, movido por incentivos frágeis. E isso não é comunidade: é um “ajuntamento”.
A comunidade como métrica viva do branding
No estudo Community Benchmark Report 2024, da Circle, que analisou o comportamento de mais de 10.000 comunidades globais, um padrão se destacou: as comunidades mais bem-sucedidas não são maiores, mais ricas ou mais complexas. Elas são mais conscientes. De si mesmas, de seu público, de seu papel.
As comunidades do top 10%, chamadas de Platinum, compartilham uma característica fundamental: clareza de intenção. Tudo nelas reverbera um posicionamento firme, do conteúdo às práticas de onboarding, da seleção de membros ao modelo de monetização.
O dado mais revelador? Essas comunidades operam com times pequenos, estruturas tecnológicas enxutas e orçamentos modestos. O diferencial não está nos recursos, mas na coerência estratégica.
Essa constatação confronta diretamente a visão utilitarista de que a comunidade é “apenas mais um canal de engajamento”. Na prática, ela é um termômetro da autenticidade da marca. Onde não há promessa clara, não há adesão significativa. Onde o discurso é genérico, o engajamento é volátil. Onde a marca não é percebida como necessária, a comunidade não se sustenta.
Promessa, propósito e prática: os três níveis de coerência
Todo projeto de comunidade deve ser avaliado à luz de três perguntas fundamentais:
Promessa: o que a marca está afirmando que entrega ao mundo?
Propósito: por que essa entrega importa agora, neste contexto?
Prática: como essa promessa é vivida, compartilhada e reforçada coletivamente?
A comunidade é o espaço onde essas três camadas se encontram. Ou colapsam.
É ali que se percebe se o posicionamento da marca é robusto o suficiente para gerar vínculos espontâneos e se a identidade é memorável o bastante para ser transmitida pelos próprios membros. Se a cultura é genuína a ponto de se transformar em linguagem comum.
Quando bem construídas, comunidades são o espaço onde a marca deixa de ser uma narrativa da empresa e passa a ser uma história contada por muitos.
A lógica estratégica dos Platinum creators
Segundo o relatório, o que distingue as comunidades de alta performance não são grandes investimentos em mídia, mas decisões estratégicas sutis e consistentes:
o onboarding é pensado como primeira entrega de valor, não como formalidade;
os eventos não são simplesmente programações, mas rituais de pertencimento;
o conteúdo é uma extensão do posicionamento, não um acúmulo de posts;
a retenção é desenhada desde o primeiro contato, com foco em criar relevância;
a comunidade é construída com base na escuta ativa e não apenas em campanhas de aquisição.
Esses criadores não operam como influenciadores. Eles operam como marcas. E entendem que marca é, essencialmente, uma comunidade que permanece, mesmo quando a empresa não está falando.
Onde falham as comunidades corporativas
Muitas empresas tentam replicar esse modelo sem compreender que comunidades não se constroem com ferramentas, mas com princípios. E o primeiro deles, como disse, é a clareza de posicionamento. Quando esse elemento está ausente, o que se vê são comunidades que:
crescem rápido, mas esvaziam-se com a mesma velocidade
têm boa participação nos primeiros meses, mas não geram conversas orgânicas depois;
oferecem valor funcional (conteúdo, networking), mas não criam conexões.
Esses sintomas são marcas de desalinhamento. A comunidade é percebida como “externa” à marca, não como parte do seu próprio organismo.
O que sustenta uma comunidade de marca
Uma comunidade bem construída é uma plataforma de aceleração de branding. Ela multiplica os sinais de valor, amplifica as promessas cumpridas e retroalimenta a reputação.
Mas isso exige uma estrutura que vá além do operacional:
diagnóstico de coerência entre propósito, identidade e comunidade;
definição clara de tese de pertencimento: quem está aqui, por quê e com base em quais valores;
ritualização de práticas: eventos, conteúdos, conexões - tudo a serviço da construção de cultura;
design de experiência com ênfase em continuidade: do onboarding ao reengajamento.
Mais do que uma nova tarefa no seu Monday, a comunidade é uma nova forma de gestão da marca.
Comunidades não escalam: elas expandem
E só expandem o que já existe em essência. Por isso, o ponto de partida não é o “como criar uma comunidade”, mas “o que existe na sua marca que merece ser compartilhado?”.
O que sua marca sustenta que possa ser vivido, estendido e apropriado por outras pessoas?
Quando a resposta a essa pergunta é clara, a comunidade emerge quase como consequência natural. E quando não é, nenhuma plataforma, estratégia de conteúdo ou calendário de eventos vai preencher o vazio.
A comunidade é onde a verdade da marca encontra o mundo.
Faça sentido antes de fazer barulho.
Nos vemos em breve!
Felipe Gondin